Você está na versão antiga do portal da UFMA. O conteúdo mais atual está no novo portal.

Obs: algumas funcionalidades, ainda não migradas, podem ser encontradas nesta versão.

Início do conteúdo da página
Início do conteúdo da página

Palavra do Reitor

Os (des) caminhos da violência

“O criminoso, no momento em que pratica o seu crime, é sempre um doente” (Dostoiévski).

Na semana passada, relatei, neste espaço, com efusão e alegria, a chegada do curso de Medicina às cidades de Imperatriz e Pinheiro, notícia que não interessa apenas a nós que fazemos a UFMA, mas a todo nosso Estado.

Todavia, não posso ignorar a avalanche de informações acerca da violência em sua forma adjetiva que pautou o noticiário do país nesses últimos dias sempre que a palavra Maranhão era mencionada. O tema se tornou onipresente, nem poderia deixar de sê-lo. Toca a todos nós, independente da condição social e econômica.

A violência e seus efeitos colaterais mais perversos se imiscuem na própria alma da população, causando medo e insegurança. Essa mácula da sociedade não é algo novo. Hobbes, em sua magistral obra O Leviatã – aqui visto sob a análise de Steven Pinker, em artigo assinado na revista Piauí –, assim se referia à origem desse mal: “(...) na natureza do homem, encontramos três causas principais de contenda. Primeiro, a competição; segundo, a difidência; terceiro, a glória”.

Em nossas paragens, Pedrinhas tem sido o símbolo máximo, pois naquele lugar a violência mostra sua face mais crua a causar horror e espanto, porque nos custa acreditar que ali há homens que não tremem. Estes são seres diferentes da visão de Riobaldo, personagem singular de Guimarães Rosa, quando pergunta: “Homem? É coisa que treme” (Grande Sertão Veredas, pág. 152). O personagem falava de seu próprio medo, ele que era homem destemido e com coragem de enfrentar o próprio diabo, fosse à imagem humana – de seu inimigo Hermógenes – ou figurado nas encruzilhadas trevosas dos Gerais. A diferença do personagem para os internos de Pedrinhas é que ele mantinha sua humanidade preservada pelo amor, que, segundo ele mesmo dizia tê-lo, produziria um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.

Em meio a este mundo misturado, folheei virtualmente esta semana o jornal da BBC e me deparei com o rosto sofrido de uma mulher – face comum, típica dona de casa dos subúrbios de São Luís. O aspecto revelava, sem pedir qualquer licença, o sofrimento que se completava com seu abraço a uma foto na qual se via um jovem rapaz sorridente encimado pelos indefectíveis símbolos: a estrela que datava sua chegada ao mundo e a cruz que marcava sua partida, apenas 24 anos depois.

A reportagem contava a forma de sua morte dentro de Pedrinhas e as circunstâncias em que a mãe foi comunicada do óbito do filho caçula. Pobre, estudou até a 7ª série e depois, pelos descaminhos que o irmanam a tantos outros, tornou-se traficante. A idade, escolaridade, o tipo de crime e o fator socioeconômico preenchem o perfil do rapaz assassinado. É triste constatar que, em Pedrinhas, 95% dos presos não terminaram o ensino médio e 62% têm entre 18 e 29 anos.

Não entro nos meandros que explicam a sina do rapaz, outros em igual condição fizeram idênticas escolhas. Ele cansou de procurar emprego, disse a mãe. Enveredou pelo crime porque queria ter dinheiro. A complexidade do tema tem consumido mentes preparadas, diagnósticos são apresentados, mas de que tem adiantado sabermos tão bem de dados estatísticos se a realidade teima em nos assombrar com seu espectro aterrador?

Outra fala de Riobaldo, o narrador de Grande Sertão Veredas, lembra-me do jovem da notícia: “Jagunço é homem já meio desistido por si (...)” (pág. 51). Ele se referia ao fato de que os jagunços seguiam ao seu líder sem questionar nada a despeito de grandes sofrimentos de uma travessia desértica. A obediência cega e a violência eram suas senhoras, determinando vida e morte. No famoso filme dos irmãos Coen, intitulado “Onde os fracos não têm vez” – que trata da violência por ela mesma –, o personagem do ator Tommy Lee Jones, que encarna um xerife desencantado, a certa altura reclama que na sua juventude a violência era mais civilizada.

Sei que não há soluções fáceis para esta hecatombe no sistema como um todo, pois Pedrinhas é apenas a ponta do iceberg. Contudo, sou dos que acreditam que, se investíssemos muito mais em educação e na formação dos jovens, certamente não estaríamos às voltas com questões como a construção de presídios, e especialmente nesse modelo que precisa ser reformado, pois não ressocializa nem torna o ser humano melhor. Penso que a saída para o cenário em que nos encontramos pedirá um amplo arco de forças que sobrepuja apenas medidas cosméticas: exige uma revolução que inclua a educação, reforma das leis penais, respeito a uma justiça que privilegia o direito – e que, graças a Deus, não é justiceira – e, por fim, a reestruturação do sistema prisional brasileiro.

A violência é um problema de São Luís, do Maranhão, do Brasil e do mundo. Está democraticamente globalizada, infelizmente. Famílias desequilibradas, falta de políticas públicas, injustiças sociais são o seu nascedouro. A corrupção que aqui e ali ainda grassa a máquina pública, o desrespeito das pessoas que não sabem conviver com o direito alheio, as irresponsabilidades daqueles que dirigem embriagados e levam dor e morte às casas alheias são as faces mais conhecidas da violência, as quais nos atingem de uma forma ou de outra, todos os dias.

Acima de tudo, a humanidade precisa resgatar os valores do Evangelho, da fé em Deus e da solidariedade ao próximo. Valho-me novamente das falas de Riobaldo: “Estremeço. Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve (...). Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma” (pág. 60).

Doutor em Nefrologia, reitor da UFMA, membro do IHGM, ACM e AMC

 

Publicado em O Estado do Maranhão em 25/01/2014

Mais opções
Copiar url

Necessita-se de realistas

Palavras não encobrem fatos

Acordes para o tratamento renal

As lições das cicatrizes

Sobre o insubstituível

A ciência e o impossível

A luta continua

Porque a vida não espera

Revolução educacional

Quando tudo isso vai terminar?

Quando as pestes nos assaltam

Homenagem do reitor Natalino Salgado ao acadêmico da AML Sálvio Dino

Por uma nova versão da história

E se deixasse de haver ciência?

Entre linhas de luz

Homenagem do reitor Natalino Salgado ao acadêmico da AML Milson Coutinho

Homenagem do Reitor Natalino Salgado ao acadêmico da AML Waldemiro Viana

Tempos pandêmicos para secretas lições

Moby Dick, para uma macroscopia do coronavírus

Saúde e educação nas entranhas da cidade

Medicina e Literatura: mais que a vida

Os vírus, as pandemias e as alterações históricas

Ciência a serviço da vida

O vírus, o próprio homem, o racismo e outros inimigos

O sacrifício da verdade

Efeitos colaterais

Lá fora, sem sair de casa

O cenário das pragas na vida e na literatura

E as lanternas continuam acesas

Para sempre afetuosos

Será admirável o mundo novo?

O gigante aliado no combate ao mal

A (nova) escolha de Sofia

Qual fim está próximo?

Dia Internacional da Mulher

Doença renal: a prevenção começa na infância (II)

Celeiro de excelência

O (velho) novo problema da corrupção

Tempos difíceis

Obreiro do Conhecimento

Uma palavra de gratidão

Salve Mário Meireles!

Luzes para Domingos Vieira Filho

Novos cenários para a inovação tecnológica

A benção, meu pai

Dunas e saudade

A (anunciada) tragédia grega

Uma homenagem a Bacelar Portela

Um poeta, um estadista e um sacerdote

Reivindicação atendida

Dom Delgado, um homem visionário (IV)

Dom Delgado, um homem visionário (III)

Dom Delgado, um homem visionário (II)

Dom Delgado, um homem visionário (I)

Uma reparação histórica

Páscoa: vida nova a serviço do próximo

A Baixada Maranhense e a sua vocação para a grandeza

Um clamor pelos novos mártires

O legado de Darwin

Excelência no esporte

O essencial é que importa

Contra a intolerância

Menos corrupção em 2015

Contra a intolerância

O brilho de Carlos e Zelinda

A UFMA e o empreendedorismo

Inesquecível Mohana

TJ-MA e a justiça

Valorização da ciência

Novos caminhos para a educação

Ensino para além do tempo e da distância

Arqueologia, mais uma área de conquista da UFMA

O papel protagonista da Associação Comercial do Maranhão

Festival Guarnicê de Cinema: a magia sobrevive (III)

Festival Guarnicê de Cinema: a magia sobrevive (II)

Festival Guarnicê de Cinema: a magia sobrevive

A lição da Copa

A justiça mais próxima do cidadão

No caminho certo

Ubiratan Teixeira: múltiplos em um só

O legado de fé dos santos juninos

Sisu: democratização no acesso ao Ensino Superior

Espaço de celebração e valorização da cultura

Chagas de ausência

Mais um avanço da UFMA

Considerações sobre pecado e redenção

Páscoa, libelo em favor da liberdade

O dia em que a baixada parou

Anchieta, história de fé e amor pela educação

Um código de conduta para a rede

Um reconhecimento merecido

Vértice de oportunidades

O chamado da liberdade

A solução passa pela família

Extensão universitária: de braços abertos para a comunidade

Cuidar dos rins é viver melhor

Em defesa dos nobres valores

Contra a exclusão, a formação

Os (des) caminhos da violência

Pinheiro e Imperatriz, novo celeiro de médicos

Uma revolução em curso

Um ano de novas conquistas

A luz que vem da fé (considerações acerca da Epístola do Papa Francisco)

Conhecimento que desconhece fronteiras

Pelo diálogo e pela sensatez

Novos passos rumo à melhoria do ensino

Confissões antigas sobre o Maranhão

Oportunidades e melhorias no cenário da saúde

A ética como aliada da ciência

Merecidas palmas

A UFMA e o ENEM (parte II)

A UFMA E O ENEM (parte I)

(A)Deus, minha mãe

Voto e democracia, simbiose perfeita

Um desafio para o sistema educacional

Sobre despedidas e inícios

Pausa para equilíbrio e reflexão

Um presente à altura de São Luís

Educação que liberta e transforma

À espera de reforços

Democratizando o acesso

A benção de ser pai

Santa madre Igreja

Bem-vindo, Francisco

Quando prevenir, de fato, é melhor que remediar

E a violência?

Sinal de alerta

Sobre a paz e Santo Antonio

Interiorização: caminho para a emancipação

Quando o meio é a própria mensagem

Mais que um homem: uma lenda (parte II)

Mais que um homem: uma lenda

De poesia e de arte também se vive

Uma reivindicação justa e necessária

Vitória, fruto da perseverança

Inimigo oculto

A ordem natural das coisas

Alfabetização, primeiro passo para o desenvolvimento

Exemplo de abnegação e altruísmo

Um ato de reparação

O legado de Bento XVI

E Deus criou a mulher...

Excelência no Continente

O Admirável mundo da química

UFMA: um ano de grandes realizações

Tão perto, tão distante

Natal, tempo de paz e boa vontade

Reconhecimento à Bancada

Reflexões acerca do ano da fé

Medicina: um dom e uma missão

Ensino a distância revoluciona a educação no mundo

Turismo e Hotelaria no contexto das cidades criativas

São Luís: as homenagens continuam

A realização de um sonho

Energia limpa: caminho para o desenvolvimento

Investir em esporte para gerar campeões

SBPC 2012: cenário de múltiplas possibilidades

O federalismo sob ótica global

Histórias coincidentes de lutas e conquistas

Cultura Universitária x Cidade Universitária

Agradecer também é reconhecer

Diversidade local como solução global

Corpus Christi: tempo de recordar para valorizar

Valorizar o passado para compreender o presente

Compartilhar saberes, legar conhecimento

A SBPC e os saberes tradicionais

A educação que movimenta o desenvolvimento