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Palavra do Reitor

E se deixasse de haver ciência?

Entre obras universais, no Simpósio sobre Pandemia e Literatura da ANM, chegou a vez de o confrade J JCamargo fazer a projeção destes tempos, na obra Ensaio sobre a Cegueira. Camargo pensou a incerteza sob o “se” de três obras de José Saramago: se todos ficassem cegos -de Ensaio sobre a cegueira; se todos votassem em branco- de Ensaio sobre a lucidez; e se ninguém morresse mais -de As Intermitências da morte.

Único escritor português com o Nobel de Literatura, Saramago produz a parábola moderna, por meio da qual Camargo refletiu sobre este mundo tão convulsionado pela Covid-19 e ameaçado, desde muito antes, por outras pestes, consequência de nossos atos destrutivos, amainados, de quando em vez, por algum ato de bondade. Por que cegamos, não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, cegos que veem, cegos que, vendo, não veem (José Saramago).

O confrade começa a contar o que aconteceu “num dia comum qualquer, em uma metrópole qualquer, quando um homem, em seu carro, enquanto aguarda que o semáforo lhe permita seguir, tem os olhos inundados por uma luz leitosa e pegajosa que lhe deixa completamente cego. Esse é o ponto de partida de uma jornada kafkiana”.

E continua: “a cegueira que atravessa a obra, insidiosamente, atinge a todos, à exceção da esposa de um oftalmologista - vejam só a fina ironia – e exacerba o pior e o melhor de cada um. O que era uma dádiva, vira maldição. O que pode fazer alguém que enxerga em meio à escuridão que obnubila a vista de todos”?

Eis o convite à reflexão: a cegueira branca é altamente contagiosa, assim como a Covid-19. “E logo o mundo inteiro fica cego com as consequências clássicas de uma pandemia. Instala-se o caos econômico e social. O governo apressa-se em criar o isolamento dos contaminados, que são jogados à própria sorte”. A única pessoa que enxerga ocupa um lugar solitário e aterrorizante: os demais não veem a devastação ou um cachorro de rua comendo um cadáver.

É estabelecida a semelhança com o agora: “os problemas são (re)dimensionados, novas formas de humilhação são criadas, a adaptabilidade ao caos e um torto senso de justiça se sucedem nas páginas, e na vida, para aflição e angústia de quem viveu ou continua vivendo essas histórias. Em meio a tantas situações bizarras, desencadeadas por uma cegueira também moral, Nêmesis vem requerer seu quinhão. A vingança mora depois do medo, alerta-nos o confrade. E infere: intriga alguém cegar por excesso de luz. Este é um aspecto genial da ideia saramaguiana, a meu ver.”

Ensaio sobre a cegueira fala de enxergar de uma determinada maneira e permite leituras em várias direções. A que me ocorre é esta, diz o confrade: a jornada das personagens que se tornam cegas é um caminho para enxergar de verdade. Por isso, toda tragédia, de algum modo, revela as pessoas em sua verdadeira natureza tão submersa nas coisas aceitáveis como a cultura, os bons modos, o status e tudo aquilo que nossa sociedade valoriza. Mas [...]se decides não ver, cegarás.

Por meio da leitura de  Ensaio sobre a cegueira, experimentamos vendas e vimos exposta nossa natureza indiferente ao outro. “Em meio ao caos, os lobos humanos, como bem previu Hobbes, logo saem de suas peles, nem tão disfarçados assim, e atacam. O primeiro a cegar, logo encontra uma boa alma que o ajuda a chegar em casa. Mas a boa alma rouba seu carro”. Será que estas consequências da Covid-19 - fome, desemprego, exclusão, confinamento, morte - não nos servem para ver diferente, com um olhar mais compassivo, que reconheça, no caos, o protagonismo de nossa desumanização?

Surpreendido por uma espécie de cegueira estética, com lampejos de entendimento sobre visão e conhecimento, fui percebendo, no decorrer da reflexão do confrade JJ Camargo, que a humanidade, ao ousar saber tudo, tem sido recolocada no lugar de não saber. Será a ignorância uma forma de cegueira? Será a presunção de tudo saber outra forma de cegueira? Ali, naquela tarde, a literatura ofereceu a experiência das vendas para que, ao nos sabermos não enxergando, pudéssemos nos perceber, vendo estes tempos pandêmicos, inspirados na obra de Saramago.

Confesso que tenho me perguntado, diante do que tenho visto em meio à escuridão pandêmica: e se não houvesse mais a ciência para descobrir as vacinas contra as pestes? 

Natalino Salgado Filho
Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, de Letras do MA e da AMM

Publicado no jornal O Estado do MA, em 15/08/2020

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