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Palavra do Reitor

Entre linhas de luz

Poeta, letrista, roteirista de teatro, cinema e televisão, ocupante da cadeira de número 24 da Academia Brasileira de Letras, Geraldo Carneiro foi um dos que, em sessão especial da Academia Nacional de Medicina, inspiraram-se em clássicos da literatura, para refletir que é possível enxergar, apesar da escuridão destes tempos de Covid 19.

Naquela tarde, Carneiro nos conduziu a reflexões sobre o que se colhe de nossas escolhas. De início, citou Édipo Rei, de Sófocles. Governante sob terrível praga, o solidário rei envida esforços para saber a origem do castigo e descobre que já estava previsto no oráculo. Por sua vez, os cidadãos clamam ao deus Apolo para que os livre do mal. Além de parricida, Édipo cometeu o desatino de ter casado com a própria mãe, Jocasta. Ela prefere a morte, ao se dar conta de seu infortúnio. Resignado com maldita sorte, Édipo fura os olhos e deixa a cidade.

O poeta explica: “hybris é o humano comportamento caracterizado pela desobediência aos ditames dos deuses, o que dá lugar a Nêmesis – deusa da vingança e da justiça distributiva”. Passa a relacionar a tragédia de Sófocles à de Shakespeare, por meio da mitologia grega e coloca a humanidade como protagonista da hybris, que assola a natureza e é castigada por Nêmesis.

Carneiro afirma ter sido Shakespeare quase um especialista em pestes: ele viveu numa época castigada pelas epidemias, sendo uma das piores a de 1593, quando chegou a dizimar cerca de mil pessoas por semana – numa Londres de apenas duzentas mil pessoas. Fecharam-se os teatros e toda espécie de diversão. Por experiência própria, Shakespeare escreveu em O rei Lear: “é o mal dos tempos, quando os loucos guiam os cegos”.

Nessa atmosfera sombria, Carneiro introduz a “Verona imaginária de Shakespeare”. Naquela tarde, como num roteiro de cinema, foi relembrada a universal história de Romeu e Julieta, “um romance trágico e composto de vários dos mais belos diálogos de amor de todos os tempos”, na ambivalência entre luz e escuridão, quando o amor mata ou a peste surpreende.

Naquele momento, a Literatura reproduziu para a Medicina uma fala de Romeu que pergunta a certa altura da obra: (...) “Que luz surge lá no alto, na janela? / Ali é o Leste, e Julieta é o Sol./ Levante, Sol, faça morrer a Lua Ciumenta/que já sofre e empalidece/ Porque você, sua serva, é mais formosa.”  Ao que Julieta responde: (...) “O que há num nome? /O que chamamos rosa teria o mesmo cheiro com outro nome;/ E assim Romeu, chamado de outra coisa/ Continuaria sempre a ser perfeito com outro nome/ Mude-o, Romeu, /E, em troca dele, que não é você/ Fique comigo”.

E o poeta continua dizendo que, em Romeu e Julieta, vemos duas espécies de epidemias: a primeira, da violência do ódio entre duas famílias. A segunda, do amor proibido e seus graves efeitos: a morte dos amantes das duas famílias ricas e inimigas, cada qual com um único filho: Romeu, um Montecchio; Julieta, uma Capuleto. O amor impossível causa várias tragédias à volta, a exemplo da morte dos primos de ambos: Mercúcio e Teobaldo. O primeiro, ao ser mortalmente atingido, lançauma maldição: “Que a peste caia sobre vossas duas casas!”.

As tragédias nos despertam do sono da indolência e nos convidam a  novos desfechos em nossas curtas histórias: foi preciso que Romeu e Julieta morressem, para que a paz fosse restabelecida, assim como tem sido necessário o isolamento social neste tempo pandêmico de tantas mortes, para ressignificar nossa existência, com nossos amores e até com nossos infortúnios.

Assim como foi necessária a Lua na noite escura para Romeu se dar conta do Sol – sua Julieta;  assim como é necessária a noite para se esperar o dia renascer, também  este momento de Covid19, quando nos sentimos cegos guiados por loucos, há um evento arrebatador que nos acorda. O amor de Romeu e Julieta, as pestes, a pandemia do coronavírus têm uma espécie de condão que nos arranca da vida banal e nos faz valorizar coisas pequenas, mais iluminadas na escuridão das dores, do que na paisagem cinzenta dos dias normais.

 

Natalino Salgado Filho
Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, de Letras do MA e da AMM.

Publicado no jornal O Estado do Maranhão, em 08/08/2020

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