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1. Pertinir

Cada atividade profissional propicia a criação de um modo específico de falar por seus membros (médicos, jornalistas, advogados, professores etc.), acarretando mudanças de significados de palavras, utilização de estruturas gramaticais incomuns e até a invenção de palavras novas, que chamamos de neologismos. Mas é claro que nem todo neologismo será aceito no léxico do português. Por exemplo, eu não tenho autoridade para, de uma hora para outra, criar o verbo “beerriar” e imaginar que todos os falantes da língua portuguesa vão passar a usá-lo e entender seu significado, que é “pegar uma BR”, ou seja, “viajar de carro”. Não, eu não tenho esse poder.

Os jargões profissionais são caracterizados pela utilização restrita a um círculo profissional, ou seja, um conjunto de termos específicos usados entre pessoas que compartilham a mesma profissão. No caso dos advogados, esse modo característico de falar ganhou até o simpático apelido de “juridiquês”, porque existem, no meio dos causídicos, uma fala e uma escrita bastante diferentes das da maioria da população. As mais das vezes, trata-se apenas de uma busca pela originalidade, pelo português mais castiço, ou seja, a tentativa de enriquecer o texto. Tudo bem, desde que essas adaptações linguísticas não infrinjam as regras gramaticais, como se vê com o bastante utilizado verbo “pertinir”. Observe o exemplo abaixo:

            No que pertine à Lei 8.666, ele será impedido de concorrer.

A palavra presidente deriva do verbo presidir; temente deriva de temer; agente deriva de agir; consistente deriva de consistir; atraente deriva de atrair. Seguindo essa linha de raciocínio, podemos afirmar que pertinente deriva de pertinir. Acontece que, após incansáveis buscas em numerosos dicionários, não conseguimos encontrar o verbo pertinir, o que leva à conclusão que essa palavra inexiste no léxico do Português. Portanto a forma pertine está errada, uma vez que, para um verbo flexionar, ele precisa existir (incrível, não?). A frase correta seria:

            No que concerne à Lei 8.666, ele será impedido de concorrer.

 

2. Álcool gel

Nesta época de pandemia, uma das principais armas contra o vírus é a desinfecção das mãos com álcool. Outro dia, um amigo me perguntou se o certo é “álcool gel” ou “álcool em gel”. Ele já havia visto cartazes com as duas grafias, e a dúvida permanecia. Ele adiantou que não via muita lógica no uso da preposição “em”, uma vez que não se diz “álcool em líquido”, e, sim, “álcool líquido”.

Por essa forma de análise, ele estaria correto, mas devemos lembrar que “líquido” é um dos estados da matéria, e “gel” é a forma de apresentação do produto. Portanto deve-se dizer “leite líquido”, “chocolate sólido” e “combustível gasoso”. Esses são os três estados da matéria. No entanto não se pode dizer “leite pó” nem “chocolate barra”, porque “pó” e “barra” são as formas como os produtos se apresentam, assim como “gel”. Logo, se o certo é dizer “leite em pó”, “chocolate em barra”, “aveia em flocos”, “pimenta em grãos” etc., não devemos ter dúvida na hora do “gel”. Portanto fale e escreva “álcool em gel”, não “álcool gel”.

 

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Acesse as edições anteriores da coluna “Segunda do Português”.

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Revisão: Jáder Cavalcante

Texto: JADER CAVALCANTE DE ARAUJO
Última alteração em: 22/09/2020 00:37