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"Todo" e "todo o"

Como já comentado nesta coluna semanal, o hábito linguístico se consolida quando uma significativa parcela da população passa a usar esta ou aquela estrutura, esta ou aquela palavra. Acontece que, para o bem ou para o mal, esse fenômeno é inexorável: quando alguma forma de falar ou escrever cai “na boca do povo”, adeus! De maneira quase oficial, tal qual moda, incorpora-se ao cotidiano linguístico.

Muito do que se erra na escrita se dá pela comparação que se faz com o português falado. Daí porque muita gente escreve “porisso”, “apartir”, “agente” e “tudo haver”. O pior erro é aquele que, quando se comete, leva o leitor a uma interpretação diferente, ou seja, quando se erra, erra-se não na gramática, mas na semântica, mas, é claro, influenciado pela falta de conhecimento gramatical. Vamos exemplificar com o uso do pronome todo (e variações). Observe o exemplo abaixo:

                Toda linha 2021 vem com ar-condicionado e bancos de couro de série.

A palavra “todo”, acompanhada de artigo, indica “por completo, por inteiro”; quando o artigo não a acompanha, significa “cada, qualquer”. As duas formas (com e sem artigo) estão corretas, mas com significados diferentes. Veja alguns exemplos:

                Todo o ser humano é composto de células. (correto: todo o ser humano = o ser humano por inteiro, dos pés à cabeça)

                Todo ser humano é composto de células. (correto: todo ser humano = qualquer ser humano, cada ser humano, todos os seres humanos)

                Todo animal precisa de oxigênio para viver. (correto: todo animal = cada animal, qualquer animal, todos os seres animais)

                A luz daquela escola foi cortada. Todo prédio ficou às escuras. (errado: todo prédio = cada prédio, todos os prédios)

                A luz daquela escola foi cortada. Todo o prédio ficou às escuras. (correto: todo o prédio = o prédio inteiro)

                Todo o Brasil chorou com a morte de Ayrton Senna. (correto: todo o Brasil = o Brasil inteiro)

                Vamos fazer turismo por todo Brasil. (errado: todo Brasil = cada Brasil, qualquer Brasil, todos os Brasis)

                Todo o professor merece ser bem remunerado. (errado: todo o professor = o professor inteiro)

                Toda loja com 40% de desconto. (errado: toda loja = qualquer loja)

                Toda a loja com 40% de desconto. (correto: toda a loja = a loja inteira)

Obs.: No caso de um comerciante de um shopping center que cola em sua vitrine o anúncio “toda loja com 40% de desconto”, ele faz os transeuntes entenderem que qualquer loja está dando aquele percentual de desconto. Ou seja, o frequentador do shopping, ao ver esse aviso na loja A, pode-se dirigir à loja B, que fica ao lado, e exigir o tal desconto, porque é isso que o comerciante da loja vizinha está apregoando. O erro de português pode até gerar processo judicial por informação enganosa.

Vamos, então, corrigir nosso exemplo inicial, colhido de uma propaganda de concessionária de veículos de nossa cidade:

                Toda a linha 2021 vem com ar-condicionado e bancos de couro de série. (correto: toda a linha = a linha inteira)

Obs.: Quando a concessionária anuncia “toda linha 2021 vem com ar e bancos”, quer dizer “qualquer linha 2021” ou “todas as linhas 2021”. Ou seja, se a loja vende Chevrolet, com esse anúncio, o que se entende é que “todas as linhas 2021” (da Fiat, Ford, Nissan, Toyota, etc.) têm as mesmas características. Passível de processo judicial por falso anúncio.

 

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Revisão: Jáder Cavalcante

Texto: JADER CAVALCANTE DE ARAUJO
Última alteração em: 11/05/2020 11:01