Palavra do Reitor
“Há doenças piores que as doenças / Há dores que não doem, nem na alma”. Essas frases são do poeta português Fernando Pessoa e, mesmo sem saber, suas palavras se amoldam perfeitamente a um tipo particular de doença, a renal.
A ocasião é propícia para tecer comentários sobre o assunto, pois, na última quinta-feira, 14 de março, comemorou-se o Dia Mundial do Rim. As sociedades de nefrologia no mundo inteiro determinaram esse dia como especial, no intuito de chamar a atenção de todos para a importância desse órgão e seu papel fundamental no equilíbrio da saúde, e também como forma de educar a população sobre os fatores de risco que ocasionam a falência renal.
Neste ano, escolheu-se o tema “Pare de agredir seu rim!”, o que sugere uma preocupação com o aumento vertiginoso de pessoas portadoras de algum tipo de comprometimento desse órgão. Somente no Brasil, estima-se que dez milhões de pessoas estejam nessa condição. Este é um dado aproximado, pois estudos comparativos com outros países sugerem que em nosso país a população atingida está subdiagnosticada. Duas razões podem ser elencadas para explicar esse quadro: a primeira é que nossos serviços de saúde na atenção básica enfatizam pouco os cuidados de prevenção e avaliação do rim; e a segunda é que as doenças renais, em geral, são ditas silenciosas, ou seja, nem sempre apresentam sintomas e, quando aparecem, o estágio da disfunção renal já é considerado crônico.
Fumo, excesso de peso, diabetes, hipertensão arterial são alguns dos principais fatores de risco para desenvolver a doença renal. O sistema Vigitel do Ministério da Saúde, que fornece estimativas de fatores de risco ou proteção para doenças crônicas, aponta dados preocupantes para nosso futuro imediato. Entre a população maior de 18 anos, 23% são hipertensos; 5,6% têm diabetes; 18% são fumantes e 48% estão acima do peso. No tocante aos fatores de risco, no Brasil, a hipertensão responde por 35% das causas de falência renal, seguida pelo diabetes (28,5%) e glomerulonefrites (11,5%) – que é a inflamação do glomérulo, estrutura do rim formada por um emaranhado de vasos capilares, onde ocorre a filtragem do sangue e formação da urina.
Alguns cuidados simples podem ser muito úteis na prevenção, a começar pelo conhecimento da própria pressão arterial, pelo controle do açúcar no sangue e pelas atividades físicas, sem esquecer a vigilância constante em relação ao peso e aos cuidados com uma dieta rica e equilibrada. Outros cuidados necessários são beber água de 1,5 a 2 litros/dia, não fumar e não usar remédios sem orientação médica. Um simples exame de sangue pode dar indicações muito boas sobre a situação de funcionamento do rim pela dosagem de uma substância chamada creatinina. Muitos médicos, mesmo de outras especialidades, costumam incluir essa última orientação em suas solicitações de exames. Se você faz parte de um dos grupos de risco já apresentado, o que engloba também famílias nas quais a doença renal já ocorreu, é importante solicitar essa avaliação para seu médico em sua próxima consulta.
Há no Brasil cerca de 100 mil pessoas realizando hemodiálise – uma das formas de tratamento da doença renal crônica – a um custo de dois bilhões de reais para o sistema de saúde pública. Tenho a grata satisfação de fazer parte do capítulo da história da instalação pioneira dos serviços de nefrologia no Maranhão. A primeira máquina de hemodiálise chegou a São Luís, por nossas mãos, em 1978. De lá para cá, os serviços nessa área evoluíram muito, e somos hoje referência em terapia renal substitutiva. O Hospital Universitário, desde março de 2000, realiza transplantes de rim. Logo em seguida, também foi instalada a Central de Captação de órgãos. Neste ano, espera-se alcançar o transplante de número 400.
Infelizmente, como disse Cecília Meireles, “já não se morre de velhice”. A doença renal crônica é grave e complexa, porém, com tratamento adequado realizado por profissional da área, é ainda possível ter qualidade de vida.
Muitos pacientes têm histórias de superação que são verdadeiras lições de vida. Outros têm um pouco mais de dificuldade, daí porque no Hospital Universitário, por exemplo, o acompanhamento dos pacientes é feito por equipe multiprofissional que abrange – além de médicos e enfermeiras – nutricionistas, educadores físicos, fisioterapeutas, psicólogos, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais. Dessa forma, não só para os pacientes da doença renal, mas também para os demais de outras enfermidades, espera-se atender ao princípio esboçado pela Organização Mundial de Saúde em 1948: a saúde não é a simples ausência da doença, é um (completo) bem-estar que envolve as áreas físicas, biológicas, sociais e psíquicas.
Doutor em Nefrologia, reitor da UFMA, membro do IHGM, ACM e AMC
Publicado em O Estado do Maranhão em 17/03/2013
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