Palavra do Reitor
No último dia 18, a Assembleia Legislativa do Maranhão foi palco de um nobre gesto, dotado de um alto significado político: a devolução simbólica dos mandatos dos deputados Bendito Buzar, Sálvio Dino e Kleber Leite (in memorian), que foram cassados pela Ditadura Militar em abril de 1964.
Eles, como tantos outros com igual destino, foram podados em sua militância político-social por razões que hoje nos soam absurdas, injustas e cruéis. Deram voz às suas ideias, escreveram-nas e sustentaram posições em favor da democracia e da liberdade. Estes foram os “crimes” que valeram a punição da cassação injusta de seus mandatos. Foram calados não por meio do debate, mas por ideias que dispensaram a discussão e o voto – que se impuseram pela força.
Meu amigo e confrade Benedito Buzar escreveu em “O Estado do Maranhão”, no domingo passado, um artigo intitulado "Quarenta e nove anos depois...", revelando os detalhes da trama perpetrada que lhe tirou o mandato. Jovem e idealista, sua fidelidade à democracia foi “recompensada” pelo arbítrio daqueles que se acreditavam acima do bem e do mal.
Como consertar um erro de consequências funestas? Como minorar uma dor ou sarar uma chaga na democracia de um país? Lembro-me da célebre obra do escritor inglês Ian McEwan, intitulada "Reparação", na qual a personagem Lola tentara a vida toda desfazer uma injustiça que cometera no passado.
Ao contrário do romance do escritor inglês, em que a personagem, envelhecida, escritora consagrada, se vê angustiada sem poder reparar a destruição que causou à vida da irmã e do filho do caseiro, assistimos em nossa terra não apenas à simbologia dos anos devolvidos àqueles três homens (nem especulamos o que teria acontecido se seus mandatos tivessem sido mantidos), mas o didatismo e o forte apelo à consciência política dos cidadãos e cidadãs maranhenses, em especial dos jovens, para que cenários de exceção – como esse que abrigou violências desmedidas, sejam elas físicas ou psicológicas – nunca mais venham a ocorrer em nosso país.
A história da humanidade está repleta de situações, nas quais uma reparação chegou tarde demais ou nunca chegou. Na mitologia grega, o titã Prometeu pagou um preço absurdo por ter dado o fogo aos homens, considerada uma grave transgressão perante Zeus. Mas o que foi feito não podia ser desfeito.
Quanto à cassação, houve o bom senso desta nova geração de deputados em reconhecer que mesmo que não seja possível desfazer o ato antidemocrático que culminou com a brutal tomada dos mandatos desses três parlamentares, é possível lidar com suas consequências reparando a injustiça. A capacidade de reparar o dano, pedir desculpas engrandece tanto uma instituição quanto um homem. Alegra-nos ver esses atos, faz-nos crer que nosso país caminha em direção ao convívio do respeito e da tolerância, anima-nos a acreditar que estamos num bom caminho.
É bem verdade que a trajetória de um país não está imune aos períodos de tirania, calamidades, guerras, fome, revoluções. No Brasil, parte do século XX está marcada por um período que denominamos Ditadura Militar, 21 anos precisamente. Ao longo da história brasileira, outros períodos de exceção foram vividos, este, porém, está vivo em nossa lembrança, e ainda estamos nos refazendo, seja mediante a instalação da Comissão da Verdade, seja pela busca física ou documental sobre o destino de muitos que tiveram suas vidas ceifadas ou foram tidos, até hoje, como desaparecidos. Esses eventos, no entanto, tornam-se panos de fundo, de onde brotarão os heróis, os grandes feitos que distinguirão a história de uma nação, criarão a base dos valores sobre os quais gerações se sustentarão.
Por evidente, há muito mais o que reparar quanto aos equívocos cometidos nos chamados “anos de chumbo”. Temos o testemunho da história e a melhor parte dela, em nosso Maranhão, é a que foi realizada neste fevereiro úmido. Talvez esse dia prenhe de justiça, fecunde e guie um futuro onde isso será constituinte natural de nossos atos em sociedade.
A grandeza dos que esperaram quase cinco décadas para ver seus mandatos restaurados se mostra através do que fizeram da vida: continuaram produtivos e atuantes em várias áreas. Seus exemplos me fazem lembrar da frase de Sartre: “O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós”.
Doutor em Nefrologia, reitor da UFMA, membro do IHGM, ACM e AMC
Publicado em O Estado do Maranhão em 24/02/2013
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