Palavra do Reitor
São Luís sedia, a partir deste domingo e até o dia 26, o XXXI Encontro Nacional de Estudantes de Química, um magnífico evento de repercussão nacional cuja temática principal tem um viés democrático: química, uma ciência ao alcance de todos. Trata-se de uma proposição inclusiva, que abre uma porta para que suas descobertas e múltiplas possibilidades estejam ao alcance de tantos quantos delas queiram se apropriar.
É do professor português João Paiva o poema "Densidade" - que integra o livro "quase poesia quase química", lançado por ocasião do centenário da Sociedade Portuguesa de Química, no ano passado - no qual ele brinca com a poesia intercalada de elementos químicos, e que aqui cito apenas um trecho: Quando me centro em mim/ cresce a minha densidade. Mais massa no mesmo volume/ das minhas possibilidades.
Essa é apenas uma amostra, ainda que em forma de poesia, do admirável mundo de possibilidades que a química oferece ao ser humano, posto que se confunde com sua própria essência e sua forma de existir na terra e quiçá, fora dela.
Basta lembrar dos elementos químicos que, em medida perfeita, proporcionam a este planeta as condições de habitabilidade. E é a química a guia das primeiras ações humanas de sobrevivência: o domínio do fogo e sua utilização na confecção de artefatos para caçar ou cozinhar os alimentos; a produção de cerâmicas para guardar sementes, farinha de trigo e líquidos; os processos de confecção de tecido ou o curtimento de couros. Muito depois - como aprendemos nas aulas de química no ensino médio - Tubalcain desenvolveu as primeiras ligas metálicas que abriram novas possibilidades para a agricultura, a construção de veículos e as guerras.
Em todas as profissões, a presença da química é indispensável. A medicina, carreira da qual faço parte, se organiza e ganha o status de ciência agregada ao saber da química. O peso deste conhecimento hoje ainda é muito importante na formação de um médico, mas no século XIX, período em que a medicina se estabelece em padrões científicos modernos - conforme nos ensina Foucault em "O nascimento da clínica" -, o médico era também farmacêutico, o que exigia conhecimento abrangente de química para a produção de medicamentos.
O século XX assistiu a quatro das maiores revoluções científicas e todas inevitavelmente passam pela química: a primeira é sua contribuição na produção de medicamentos, cujo marco histórico é a penicilina; a segunda foi a descoberta do DNA que sugere horizontes de verdadeira ficção científica, mas que já temos resultados concretos agora, especialmente na agricultura e pecuária; a terceira revolução - destaco a produção dos plásticos a partir de 1950 - trouxe um enorme impacto na indústria, na cosmética, na medicina, o que foi capaz de criar toda uma nova economia, além de novas profissões e áreas de pesquisa; e, em quarto lugar, uma inovadora forma de produção de alimentos, através de adubos, fertilizantes e defensivos agrícolas que permitiram ao mundo produzir, em espaço cada vez menor, o suficiente para alimentar toda sua população.
A história da química no Brasil é jovem como nosso país. Apenas no século XIX apareceram as primeiras escolas, assim mesmo precárias. Somente nos anos de 1910 começam as escolas técnicas de química em São Paulo. De lá para cá, o avanço é assombroso, tendo esta ciência alcançado seu espaço em tudo o que o país produz de tecnologia. Por isso mesmo, devido a tantas conquistas, a química brasileira está devendo um Nobel. Somente dois prêmios Nobel nesta área foram conferidos em toda a América abaixo do Rio Grande: um é da Argentina (1970) e o outro do México (1995). Acredito que está na hora do Brasil conquistar essa honraria, pois talento e capacidade são ingredientes fartos entre os profissionais e estudantes da área, incontestavelmente.
E sem estes homens e mulheres abnegados que atendem ao chamado dos elementos, fórmulas e cálculos fascinantes, nenhum país pode alcançar independência e bem estar para sua população. Por isso mesmo, aqui no Maranhão, a Universidade Federal valoriza esta área ao oferecer os cursos de Química nas modalidades Bacharelado e Licenciatura, Química Industrial, Engenharia Química e ainda o curso de Química na modalidade à distância, o que tem contribuído de maneira eficaz para este mercado deveras promissor e que está a exigir não apenas o conhecimento da matéria em si, mas a técnica e a sensibilidade de seus profissionais a aplicá-la no avanço tecnológico conciliado com o bem estar do ser humano.
Há ainda os novos desafios que envolvem nosso país e mais que isso, dizem respeito às questões globais como as mudanças climáticas: a produção de energia renovável e o desenvolvimento sustentável. O tema deste encontro em São Luís atende à visão do Ano Internacional da Química em 2011. E este é um desafio em si. Aproximar as pessoas da química é desfazer equívocos que foram construídos pela sua má utilização em conflitos - caso do agente laranja lançado nas florestas do Vietnã como arma de guerra, ou ainda a utilização indiscriminada de defensivos agrícolas que resultaram em impactos danosos ao meio ambiente e às pessoas-. Felizmente, a química tem muito mais a mostrar em favor do ser humano do que o contrário.
Estudantes, profissionais e apaixonados pela química se deparam com novas fronteiras de descobertas, espaços em que concentram os esforços da pesquisa básica e aplicada e configuram os temas mais importantes para nosso futuro próximo. Foram, inclusive, frutos de recentes acordos internacionais, envolvendo questões ligadas à produção agrícola, conservação de recursos naturais, conversão de biomassa, segurança alimentar, diagnósticos para a saúde humana e qualidade da água, química verde com foco na preservação ambiental e criação de produtos sustentáveis.
Conta a fábula do rei Midas que este tinha o poder de transformar tudo o que tocava em ouro. É a lenda de um processo químico mágico, sem dúvida. Mas hoje os estudantes e profissionais da Química podem ir muito além do que um dia foi Midas: podem tocar vidas, transformar histórias, moldar o mundo.
Doutor em Nefrologia, reitor da UFMA, membro do IHGM, ACM e AMC
Publicado em O Estado do Maranhão em 20/01/2013
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