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Palavra do Reitor

A (anunciada) tragédia grega

A fábula é um ramo literário criado no século VI a.C., segundo se conta, por Esopo. Entre as inúmeras obras atribuídas a este escritor original está a que narra a história de uma cigarra e uma formiga. Fábula é uma historieta com função educativa, instrucional, visto que o fecho de suas narrativas sempre oferta ao leitor uma moral ou lição a ser aprendida.

A formiga, trabalhadora como é, passou todo o verão arrumando sua toca e armazenando alimento. A cigarra, por sua vez, cantou durante todo o verão. Ao chegar o inverno, a formiga pôde se recolher a seu abrigo cheio de alimento, enquanto a cigarra nada tinha. Eis que a cigarra bate à porta da formiga e lhe pede abrigo para fugir do frio e da fome que lhe consumia as forças. A formiga pergunta à cigarra o que ela fez durante o verão e esta lhe responde que apenas cantou, então, dizem algumas versões da fábula, a formiga teria dito à cigarra que agora ela deveria dançar.

Guardando-se as proporções devidas e as muitas leituras possíveis de acordo com o viés ideológico de cada leitor, o objetivo da história é destacar que se deve ser precavido, trabalhador e responsável. Relembro essa fábula a propósito da crise econômica que assola a comunidade europeia, a qual tem se agravado com a “débâcle” grega. Os especialistas são unânimes em afirmar que os governos gregos foram lenientes e excessivamente indulgentes na administração dos recursos de que o país dispunha. Em bom português, por anos, gastaram mais do que eram capazes de arrecadar.

Os salários dos servidores públicos dobraram na última década, os gastos públicos foram à estratosfera, a previdência ampliou enormemente a quantidade de seus dependentes, a arrecadação diminuiu, a dívida aumentou e, para pagá-la, era preciso fazer mais débitos. Os governos fingiam que não havia um buraco no casco, apenas queriam deixar a população feliz, pois isso lhes manteria no poder, até que a dura realidade se impôs.

As primeiras medidas de austeridade fiscal causaram, como era de se esperar, um descontentamento na população, que foi às ruas brigar por seu sagrado direito de ter muito mais do que poderiam. Tal fato lembra um pouco o personagem malvado do filme Matrix, que, como prêmio por trair o herói libertador Neo, pede às máquinas que deseja voltar ao sonho, desde que nele ele seja rico e tenha todas as possibilidades materiais disponíveis ao seu deleite.

Ao fazer uma reflexão sobre tudo isso, é essencial recordar a frase de Platão que expressa que “podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.” Nesse sentido, os dramas expostos nas reportagens e as vicissitudes enfrentadas pela população grega insinuam que as pessoas eram felizes na ignorância, mas a insustentabilidade do consumo e os recursos um dia mostrariam sua cara exaurida. É hora de pagar a conta da abundância sem alicerce.

Entendo que, para a vida em suas muitas nuances, a crise grega nos aponta valiosas lições. Nossos atos têm consequência no espaço e no tempo. Essa afirmação parece o óbvio ululante de Nelson Rodrigues. Ora, se é tão evidente assim, por que se age como se nada resultasse de nossas escolhas? Sim, no caso grego e na dimensão das relações interpessoais, escolhe-se por indolência e/ou por conveniência, o que nos leva a um segundo ponto desta reflexão.

A atitude hedonista nunca nos livrará das consequências do excesso. Talvez, nesse momento, convenha lembrar a frase de Vinícius no Soneto da Fidelidade: “Mas que seja infinito enquanto dure”. Essa sensação de infinitude, às vezes, é tão extrema que as pessoas se autoenganam a ponto de acreditar que nada mudará; contudo, sobre isso, já nos advertia Heráclito: “Nada existe de permanente, exceto a mudança”. A impermanência é nosso estado natural de existência.

E, assim, o drama grego nos remete a uma terceira lição. Alguém (ou todos nós) um dia terá que pagar a conta. Ezequias, rei de Judá (séc. VIII a. C.), vivia fustigado pela potência hegemônica da época, o reino Assírio. A história registra que foi um bom rei. Em certo momento, ele adoece e é curado milagrosamente por Deus, que lhe dá mais quinze anos de vida. Nesse meio-tempo, toma medidas administrativas que fragilizam o reino. O profeta o acusa do erro e, em seguida, o alerta de que situações funestas adviriam por causa de sua imprudência, ressaltando, porém, que elas aconteceriam apenas algum tempo depois de sua morte. Ezequias se autocongratula com a notícia e se consola dizendo que tudo ocorrerá depois de sua morte. “Os outros que arquem com meus erros. Ainda bem que não estarei aqui”, pensa.

Os governos gregos anteriores esbanjaram, foram corruptos e perdulários. As pessoas que recebiam as benesses daquele mágico e infinito momento que duraria apenas alguns anos fingiam não se importar apesar dos sinais de que uma hecatombe se aproximava. A tragédia grega serve de lição para todos nós. O futuro é incerto (ou não), vai depender das escolhas que tomamos hoje.

Doutor em Nefrologia, Reitor da UFMA, membro da AML, do IHGM e da AMM

Publicado em O Estado do Maranhão, em 19/07/2015

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